Autores: Nelson Soares de Rezende e Sônia Rooke Las Casas
Para as pessoas da geração milênio[1] – nascidas a partir dos anos 80 –, o padrão de comunicação síncrona em tempo real está desaparecendo e muito pouco se usa conversas ao telefone, hoje em dia. Cada vez mais, predomina o uso de um padrão assíncrono de comunicação, como ocorre no WhatsApp, seja por texto ou por áudio gravado, pois essa geração não sente necessidade de interagir em tempo real e, em geral, o texto é escrito de forma mais reduzida, permeado por abreviações que representam o que podemos chamar de “gírias digitais”.
O problema está em que, na comunicação assíncrona, o corpo desaparece da comunicação, mas as pessoas tendem a falar do mesmo jeito, como se o corpo ainda estivesse participando da conversa, e isso provoca muitos ruídos na interpretação da fala. Estudos desenvolvidos pelo psicólogo Paul Ekman[2] concluíram que a maior parte da nossa comunicação é feita por meio da linguagem corporal[3]: tom de voz, movimentos e gestos. Por fim, identificou 7 expressões inatas do ser humano: raiva, alegria, tristeza, surpresa, medo, aversão e desprezo.
Segundo Ana Cristina Gonçalves[4], o Professor Albert Mehrabian, juntamente com outros colegas da Universidade da Califórnia, Los Angeles, desenvolveu em 1960 um estudo que correlaciona a importância do poder da linguagem corporal, em relação às palavras escritas, considerando a percepção da atitude e emoções do orador, em especial, quando existir inconsistência entre a parte verbal e a não verbal.
Este estudo conclui que a regra 7-38-55 representa o peso relativo atribuído às três grandes áreas da comunicação: às palavras (7%), ao tom de voz (38%) e à linguagem corporal (55%). Dessa forma, o envio de uma mensagem escrita tem uma perda de 93% (38%+55%) do conteúdo da mensagem, enquanto o envio de um áudio teria uma perda de 55% desse conteúdo.
Entendo que esta abordagem pode ser considerada, de certa forma, mesmo no caso de comunicação síncrona virtual em que se utilize áudio e vídeo, por duas características que são comuns nesse tipo de comunicação: o pequeno tamanho das imagens na tela do computador ou do smartphone, e o enquadre das câmeras, geralmente muito próximos dos rostos das pessoas, o que dificulta a interpretação da linguagem não verbal, que transmite nossas emoções, o que sentimos e o que queremos, através de macro e microexpressões faciais, mas também dos gestos das mãos e dos movimentos do tórax, braços e pernas, a percepção da comunicação não verbal fica prejudicada.
Falando sobre mediação de conflitos, é importante destacar que o seu sucesso está fundamentado na construção de um rapport entre o mediador e e os demais participantes, que cria uma empatia com as partes e estabelece um canal de confiança por onde flui toda a comunicação entre mediador e partes e vice-versa. A Escuta Ativa é a ferramenta fundamental do mediador, que, com suas devolutivas (paráfrases, recontextualizações e resumos), confirma e valida seu entendimento das falas das partes, legitimando suas contribuições, e sinaliza/demonstra sua atenção, o que fortalece a relação de confiança que leva as partes a se esforçarem para compartilhar informações relevantes e se comprometerem com o processo de negociação, buscando contemplar seus interesses e necessidades.
Por sua vez, a mediação de conflitos on-line (ODR), realizada através de plataformas de colaboração virtual, requer competências adicionais do mediador, pois é necessária uma atenção redobrada na escuta das mensagens transmitidas, em razão da dificuldade na leitura da linguagem corporal, que precisa ser compensada com o uso de outras ferramentas.
É preciso entender, porém, que o problema não está, necessariamente, na tecnologia, mas decorre do fato de as pessoas não saberem usá-la para expressar o que o corpo deixa de falar. Explicando melhor, é necessário melhorar as narrativas para verbalizar, com maior atenção e precisão, o conteúdo da mensagem a ser transmitida, seja por áudio e vídeo, somente por áudio ou, principalmente, se for apenas escrita (chat).
De modo geral, é necessário trabalhar a Escuta Ativa através de ferramentas de leitura e de critérios específicos que ajudem a decodificar a intenção por trás da comunicação. Existem técnicas para, literalmente, ler a fala não verbal do outro e interpretar suas microexpressões faciais[5]. Mas há um risco muito grande nessa abordagem, mesmo na comunicação presencial. Há um ditado que diz: “escutar bem é escutar as palavras que o outro não disse”. Isto tem a ver com “ler o outro”, o que trás riscos, porque é um convite para inferir o que está na cabeça do outro e isto não é Escuta Ativa, que não significa escutar o quê o outro não disse!
No caso da mediação on-line, o mediador deve estar atento para não parafrasear a fala das partes, fazendo suposições sobre o que não foi dito e não entrar no terreno sagrado que é pessoal de cada um, o que pode provocar uma reação defensiva e alterar seu estado emocional, com pensamentos do tipo: “quem é ele para pensar isso de mim?” Assim, é preciso trabalhar somente com as palavras que o outro realmente diz, e pode-se descobrir o que ele não disse através de perguntas e esta é uma ferramenta fundamental, principalmente na mediação on-line. Escutar o que o outro não disse, é escutar o momento da conversa. E escutar é um processo dinâmico que evolui para dentro ou para fora do que parece ser o foco da questão. As perguntas são conduzidas a partir desta reflexão: ele respondeu ou não respondeu à minha pergunta? Está se aproximando ou se afastando do foco da questão? Esse é um nível de escuta que vai além das palavras e permite construir uma Escuta Ativa.
Isto significa que é preciso escutar as emoções, isto é, se perguntar em que momento emocional cada um está. Porque a primeira regra da escuta produtiva é: um não deve falar enquanto o outro não estiver escutando. E o outro não estará escutando enquanto estiver em um momento emocional alterado. Quando ele está cheio de si mesmo, não tem espaço para escutar. E aí está a chave para o mediador aprender a escutar o momento da conversa. Não para “ler o outro”, mas para “ler a conversa”, “ler a troca, a história que um está cocriando com o outro”. É papel do mediador ajudar aquele que está em um momento emocional alterado a buscar seu equilíbrio. As sessões individuais (caucus) da mediação são apropriadas também para o mediador ajudar a parte “a se esvaziar de si mesma”, a buscar seu equilíbrio e se dispor a escutar o outro.
Segundo o Dr. Tom Clarke, do National Center for State Courts, “ainda que por caminhos não desejados, a pandemia vai fazer mais pela Mediação On-line (ODR) do que anos de trabalho do NCSC...”!
Em breve a pandemia do coronavírus vai passar, mas, certamente, a mediação on-line será um dos legados que permanecerão na Sociedade, para apoiá-la na solução mais adequada e eficaz de seus conflitos, ao lado da mediação presencial.
REFERÊNCIAS